2022-06-14 11:43:23
OGlobo'Top Gun: Maverick' e o machismo tóxico
Levei o meu filho para ver o novo “Top gun”. Eu era um adolescente quando o primeiro estreou nos cinemas. Que espetáculo! Hoje, informado como estou sobre o papel do homem contemporâneo, percebo que se tratava de um monumento ao machismo tóxico. Que vergonha!
Também percebi que problematizar a continuação do filme seria uma excelente oportunidade de mostrar ao meu filho como o pai dele está antenado com os tempos que correm: sim, um pai moderno, desconstruído, sensível às causas mais progressistas.
“Top gun: Maverick” é um filme que transborda testosterona, considerada o chorume do século XX. Sim, leitor, tô sabendo como a banda toca. Já notei que o sujeito que quer salvar o mundo por conta própria, virar herói, está morto e enterrado. Vejam o 007: agora ele tem crises de consciência e ambiciona relacionamentos estáveis. Parece que no próximo filme o agente secreto inglês vai enfrentar uma pilha de boletos, uma DR no domingo à noite e o cancelamento do Uber na hora da pressa. Não é melhor assim? “Viva o contínuo questionamento da condição masculina!”, repito para o garoto, tentando impressionar a nova geração.
Vamos aos aviões do filme: como definiu alguém nas redes, são objetos fálicos (e eu, ingênuo, achava que se um avião não tivesse um formato fálico sequer levantaria voo, mas talvez a aerodinâmica precise ler Freud). Se os caças do “Top gun” são fálicos, os sabres de luz de “Star wars” devem ser pornográficos. Melhor deixar quieto.
O meu número ia bem até que começaram as perseguições aéreas: soltei um “Woooo-hoooo!!!” sem querer. Para disfarçar o rompante disse que, na verdade, tinha sido um “buuuu” e que estava vaiando a cena. “Filho, aviões supersônicos que atiram mísseis não são corretos, nem sequer numa tela”. “Motos velozes também não”, ele completou. “Trata-se de veículos para seres primitivos”, acrescentei, “Um filme de ação com o herói andando de velocípede, por uma relva suave, acenando aos Teletubbies e desviando das formigas seria mais apropriado”. Senti na cara do meu filho a admiração pela modernidade do pai.
O filme continuou.
Maverick, o protagonista, agora é um homem de meia-idade que não encontra lugar no mundo atual. O almirante/vilão joga o fato na cara: “O fim é inevitável, Maverick. Pessoas do seu tipo estão destinadas à extinção”. “Talvez, senhor, mas não hoje”, ele responde.
Escorreram-me lágrimas. Outro deslize. Era a masculinidade old-school, morta e enterrada como um herói, puxando o meu pé. Expliquei ao meu filho que se tratava apenas uma reação alérgica aos códigos morais do século passado. Uma espécie de rinite cultural. O garoto já estava começando a duvidar da minha contemporaneidade. “Top gun” é um filme tinhoso, faz você esquecer o que acabou de aprender.
É preciso disfarçar. Passei o resto do filme alternando “tsk-tsk...” com “Que absurdo!”
No fim — spoiler alert para quem nunca viu um filme de ação — o piloto considerado ultrapassado consegue vencer os vilões e completar a missão. Por puro reflexo levantei e aplaudi de pé. O menino ficou mais cabreiro ainda. “Estou só tirando a poeira das mãos, a poeira do patriarcado decadente”, disse meio sem jeito.
Não sei se consegui convencê-lo. Acho que será necessário um terceiro “Top gun”.
@Canalnoticiasglobo
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