2022-05-09 00:41:47
“A condição da mulher nas sociedades de classes tem sido vista por numerosos estudiosos como o resultado da injunção de fatores de duas ordens diversas: de ordem natural e de ordem social. Dentre os primeiros, o mais sério diria respeito ao fato de a capacidade de trabalho da mulher
sofrer grande redução nos últimos meses do período de gestação e nos
primeiros tempos que se seguem ao parto. O aleitamento tornaria ainda
insubstituível a mãe junto à criança pequena. Estes fatos biológicos são,
muitas vezes, utilizados para justificar a inatividade profissional da
mulher durante toda a sua existência, o que, por vezes, tem consequências extremamente desastrosas quer para o equilíbrio da personalidade feminina, quer para a socialização dos filhos, quer ainda para as relações conjugais.
Que a maternidade envolve sérios problemas para o trabalho da mulher nas sociedades competitivas é um truísmo. Resta saber se as medidas postas em prática significam soluções adequadas quer do ponto de vista do equilíbrio da personalidade feminina, quer do ângulo da socialização dos imaturos, quer ainda do equilíbrio da sociedade. Já que os problemas de ordem natural são, por assim dizer, tornados sociais pela civilização, é neste nível que suas soluções devem ser encontradas. A
maternidade não pode, pois, ser encarada como uma carga exclusiva das mulheres. Estando a sociedade interessada no nascimento e socialização de novas gerações como uma condição de sua própria sobrevivência, é ela que deve pagar pelo menos parte do preço da maternidade, ou seja, encontrar
soluções satisfatórias para os problemas de natureza profissional que a maternidade cria para as mulheres. Com efeito, as sociedades de classes têm posto em prática algumas medidas que visam a possibilitar a atividade ocupacional da mulher. A licença remunerada, antes e depois do parto, apresenta esse sentido positivo. Entretanto, ela não é mais do que uma solução parcial, embora necessária. A descontinuidade do trabalho feminino fornece aos empregadores alguns dos argumentos que justificam a subalternidade das mulheres na hierarquia de posições das empresas assim como a preferência dessas pelo trabalho masculino para os postos de
responsabilidade de que depende o progresso do próprio empreendimento econômico. Esta «integração periférica» da mão-de-obra feminina no sistema de produção de bens e serviços é portanto, legítima do ponto de
vista do empregador. Muitas vezes, a empresa se encarrega de melhorar a qualificação da força de trabalho de suas empregadas e estas abandonam o emprego, ao contraírem matrimônio ou ao se tornarem mães. O investimento da empresa se torna, pois, antieconômico levando os empresários a concentrar seus esforços na qualificação da mão-de-obra masculina, quando se impõe a necessidade de preparar pessoal
profissional. Ora, numa economia de iniciativa privada, é inegável a legitimidade do comportamento do empresário capitalista. O objetivo de
lucro impõe um alto grau de racionalização das atividades da empresa, quer no que tange à busca de fatores de produção baratos a fim de tornar baixo o custo de produção, quer no que tange à
continuidade da utilização
de elementos imprescindíveis ao bom andamento do negócio”. Heleieth Saffioti. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade
@siga o rondodaliberdade
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