2022-01-27 16:38:51
O filme da Netflix que todo mundo deveria assistir para acalmar a alma - por Revista Bula
25 de janeiro de 2022
Pode-se tomar a meia-idade sob diversos pontos de vista. O assunto se tornou tabu num mundo em que a juventude é o capital mais específico, e por essa razão, mais valorizado numa pessoa. A sociedade contemporânea compra quase tudo — beleza, sucesso, fama, amor verdadeiro —, mas nem o cirurgião plástico mais talentoso consegue tirar vinte, trinta, quarenta anos da cara de alguém sem ou mutilar o infeliz ou dar-lhe uma nova identidade, perceptível pela incapacidade de mover certos músculos do rosto, por lábios inflados como a natureza nunca pudera fazer ou narizes minúsculos, sem ossos. E então tem-se um quadro muito pior que o de antes.
Chegar à meia-idade ou mesmo à velhice — ou mesmo morrer — não é o problema; a questão é de que forma e em que circunstâncias isso acontece. Ter de confessar para si próprio que se atingiu determinada etapa da vida sem que o passar dos anos tenha se traduzido em sucesso profissional, relacionamentos íntimos estáveis, sólidos, e alguma tranquilidade a fim de encarar os outros desafios que vão se acumular pela jornada afora é que constitui a grande angústia de não ser mais tão jovem. Gilles Lellouche acerta na mosca ao defender essa abordagem em “Um Banho de Vida” (2019), e para tanto se cerca de atores renomados que encarnam os tipos pouco qualificados de seu filme. Esses perdedores meios desacoroçoados encontram um jeito inusitado de tentar virar o jogo, e esse é o argumento a partir do qual a trama se movimenta, sem ritmo definido. Como eles.
Uma das maiores qualidades de “Um Banho de Vida” é se desdobrar sobre os temas áridos que o mote central do filme suscita sem fazer disso um cavalo de batalha, garantindo visibilidade de públicos variados e isso, calculadamente ou não, lhe valeu o passaporte para Cannes sem maiores dificuldades. Em sua estreia num trabalho solo como diretor, Lellouche, um ator excelente, mostra que também pode ir longe por trás das câmeras, graças à sua obsessão por detalhes. A fotografia de Laurent Tangy valoriza o azul, cor que pontua o filme e se torna sua marca registrada, e a trilha de Jon Brion segura o enredo na proposta que o diretor elegeu para seu roteiro, coescrito com Ahmed Hamidi e Julien Lambroschini.
Bertrand, o quarentão depressivo vivido por Mathieu Amalric, está desempregado há dois anos, e se dedica a passar seus dias jogando online, largado no sofá, abrindo mão de seu amor-próprio e do respeito dos filhos e da mulher, que insiste, pelo marido e por si mesma, que ele encontre algum motivo para resistir. Bertrand segue decidido a pensar que a vida está mesmo acabada para ele, mas numa última cartada, resolve investir na equipe de nado sincronizado masculino da piscina pública da cidade, descoberta por ele casualmente. Os integrantes desse estranho grupo são, claro, perdedores como ele, o que o motiva a ingressar no time e, quem sabe, tomar novo fôlego e tentar, outra vez, fazer alguma coisa por si mesmo. Treinada pela ex-campeã aquática Delphine, a ex-alcoólatra que persegue o ex-namorado interpretada por Virginie Efira, a equipe não tem nada de excepcional, nem mesmo um membro que reúna alguma qualidade que confira destaque à perseverança de Delphine, que o aceita de imediato apesar disso — ou por isso mesmo.
@avidacomecaaos40
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