2021-12-16 14:09:08
15 DE DEZEMBRO - ANIVERSÁRIO DO MESTRE IRINEUMestre Irineu: Um homem negro brasileiro que mudou a história da ayahuascaVocê provavelmente conhece a ayahuasca. Você provavelmente ama a Amazônia. Você provavelmente apoia o movimento Black Lives Matter (assim espero!). O que você talvez não saiba é que um homem negro, que viveu na Amazônia, fez a diferença na história da ayahuasca. Trata-se de Raimundo Irineu Serra, fundador do Santo Daime, a mais antiga religião ayahuasqueira brasileira.
Apresentar um pouquinho de sua história é meu objetivo nas linhas que seguem.
O jovem neto de pessoas escravizadas vai para a AmazôniaRaimundo Irineu Serra nasceu em São Vicente Férrer, uma pequena cidade do Maranhão, o Estado mais pobre do Brasil, em 1890, apenas dois anos após a abolição da escravidão (Moreira e MacRae, 2011). Neto de pessoas negras escravizadas, ele jamais teve a chance de frequentar a escola, e viveu uma infância muito humilde.
Nesta situação de pobreza e desigualdade, acredite em mim, nenhum de seus amigos de infância poderia imaginar que Irineu Serra conseguiria superar as dificuldades e o racismo estrutural impostos sobre sua condição existencial. Mas ele conseguiu.
Até chegar lá, entretanto, muitos foram os desafios, os sofrimentos e as lutas vividas por ele. Boa parte dos quais, aliás, são análogos aos sofrimentos vividos por tantos outros homens e mulheres negras em território latino americano por conta de sua condição existencial.
Em busca de melhores condições de vida, Irineu saiu do Maranhão e cruzou o país em direção à Amazônia, para o território que hoje conhecemos como Acre. Chegou lá em 1912, motivado pela promessa do governo de que os trabalhadores da borracha teriam uma vida próspera na floresta.
Essa promessa era uma mentira, claro. O sistema produtivo do seringal era baseado na exploração impiedosa dos trabalhadores, que usualmente viviam em condições paupérrimas. Para piorar, devido à biopirataria de sementes de seringueira, o Brasil perdeu o monopólio da produção de borracha para o sistema da plantation das colônias britânicas na Malásia, o que ocasionou um colapso socioeconômico na região (Moreira e MacRae, 2011).
Com isso, milhares de imigrantes, que assim como Irineu Serra sonhavam em ter uma vida melhor na Amazônia, ficaram totalmente abandonados. E foi nesse contexto que Irineu, quase sem esperanças, procurou a ayahuasca.
De uma mulher para um homem negro: a iniciação com a ayahuascaSegundo relatos de seus seguidores, Mestre Irineu foi iniciado nos mistérios da ayahuasca provavelmente no território do Peru, através de xamãs indígenas (Moreira e MacRae, 2011). Ao ingerir a enigmática poção, Irineu passou então a ter revelações espirituais que transformaram sua vida e sua compreensão da bebida ao longo do tempo.
De acordo com a mitologia daimista, em uma noite clara e bonita, Irineu tomou ayahuasca, e ao olhar para a lua avistou uma senhora formosa e bela. Essa senhora lhe perguntou: “Quem você acha que eu sou?”. Admirado, Irineu fitou-a e respondeu: “A Senhora, para mim, é uma Deusa Universal!” (Moreira e MacRae, 2011).
Esta entidade feminina foi depois identificada como a Rainha da Floresta, e compreendida também como uma manifestação da Virgem da Conceição.
Ela então orientou seu discípulo a passar por uma série de dietas e provações, após as quais ela lhe concedeu o direito a fazer um pedido. O pedido do jovem Raimundo teria sido então o de se tornar um grande curador para ajudar outras pessoas, e que ela colocasse tudo o que pudesse curar dentro daquela bebida.
Esse pedido lhe foi então concedido. A partir daí, Irineu Serra começa a se tornar Mestre Irineu.
Santo Daime: um mosaico culturalA partir desse encontro entre uma divindade feminina, um homem negro e uma bebida mágica ancestral de origem indígena, a ayahuasca é rebatizada com o nome de Daime. Que é um rogativo, originado do verbo “dar”: “Dai-me força! Dai-me amor!”, pedem os daimistas em suas cerimônias.
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