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Você sabe o que é o princípio da concordância prática?

Nas palavras de Canotilho, o princípio da concordância prática na interpretação de normas constitucionais “impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns e relação aos outros”. Desde que sejam compatíveis com as possibilidades textuais e sistemáticas da Constituição, as soluções das tensões entre normas constitucionais devem manter, na maior extensão possível, proteção a cada um dos bens jurídicos envolvidos.

Como se nota, este princípio impõe ao intérprete que busque a harmonização de normas constitucionais em conflito, pois é natural que ocorram tensões entre normas constitucionais. Em outras palavras, o intérprete deve perseguir a concordância prática entre normas constitucionais que estejam em tensão, buscando preservar, ao máximo possível, os valores e interesses que lhes são subjacentes.

Há autores, como Konrad Hesse e Canotilho, que atribuem à concordância prática a estatura de princípio autônomo de hermenêutica constitucional. Outros, como Barroso e Sarmento, a inserem no âmbito do princípio da unidade da Constituição, como fazemos aqui. A questão de saber se a concordância prática é princípio autônomo ou está contido no princípio da unidade da Constituição é de caráter nominalista, sendo desprovida de maior importância. O que importa é ressaltar o dever do intérprete de buscar a harmonização possível entre preceitos constitucionais em tensão.
Concebida nesses termos, a concordância prática não é incompatível com a ideia de ponderação de interesses. Vamos trabalhar com exemplos para facilitar a compreensão.

Exemplos:

Um exemplo desse tipo de harmonização é o conhecido caso da greve de fome, apreciado pelo Tribunal Constitucional espanhol em 1990. Um grupo de detentos iniciou uma greve de fome, para protestar contra a transferência de alguns deles para outro estabelecimento prisional. Partindo do pressuposto de que os detentos não poderiam abrir mão da própria vida, a administração prisional pretendia alimentá-los à força. Estavam em choque a liberdade de consciência e expressão e o direito à vida e à saúde, ambos titularizados pelos próprios detentos. A solução encontrada foi determinar que os grevistas só fossem alimentados a partir do momento que perdessem a consciência. Enquanto os detentos mantivessem a consciência e pudessem manifestar seu pensamento, garantia-se a sua liberdade de manifestação, mas quando perdessem a consciência, seriam alimentados. Com isso, a Corte espanhola procurou preservar simultaneamente os dois grupos de princípios que estavam em colisão, ao invés de optar por um deles em detrimento de outro.

Um caso interessante de emprego da concordância prática no STF envolveu a intimação de liderança indígena para depor em Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada no Estado de Roraima. De um lado, a Constituição assegura às CPIs o “poder de investigação próprio das autoridades judiciais” (art. 58, § 3º), o que lhes permite convocar testemunhas. Por outro, existe o direito dos indígenas à sua cultura e a permanecer em suas terras, protegido pelos arts. 215, 216 e 231 da Constituição. O depoimento de indígena que não está incorporado à sociedade envolvente e não partilha dos costumes ocidentais, fora de seu habitat e sem qualquer assistência, poderia significar grave violência, expondo-o a sérios constrangimentos. O STF, apreciando um habeas corpus impetrado em favor do líder indígena adotou solução para o caso que conciliava as normas constitucionais em tensão: permitiu o depoimento, mas apenas no interior das terras indígenas, e com a presença de representante da FUNAI e de antropólogo com conhecimento da comunidade étnica em questão.

Fonte: Direito Constitucional, de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto