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Que outro tipo de criminoso carrega consigo as provas do crime | Carlos Ramalhete

Que outro tipo de criminoso carrega consigo as provas do crime? Muitos assassinos em série guardam “recordações” de suas vítimas: um anel, um osso, o que for, que os ajudem a relembrar e reviver a excitação do momento do crime. Há certamente também este elemento em ação. Mesmo assim, os souvenires das vítimas dos assassinos seriais ficam em geral escondidos. Já os tarados carregam consigo, no próprio celular, as fotos e vídeos que podem levá-lo à cadeia. Por quê? Minha impressão é de que para eles a “normalidade” da pornografia sobrepassa a percepção de que se está carregando provas do próprio crime. Ter (ou navegar por) fotos e vídeos pornográficos no celular tornou-se normal; tão normal que a própria “produção doméstica” acaba sendo também normalizada, mesmo quando vai contra a lei e o bom senso mais elementar.
O problema básico da pornografia é que ela é fundamentalmente desordenada; é impossível haver “boa” pornografia. O ato sexual ordenado é um ato de união, de amor, dentro de um contexto de entrega mútua e completa intimidade. Já na pornografia é impossível haver tal entrega, e por definição – por ser ela fotografada ou filmada, e assistida em outro momento e lugar – nada há de íntimo. Quem se acostuma à pornografia acostuma-se a reduzir o ato sexual à sua mecânica. Sem amor. Sem intimidade. Sem que sequer se cogite de uma gravidez a não ser como um inconveniente, comparável ao de uma doença sexualmente transmissível.
Dizem que há sistemas religiosos em que o sexo só seria permitido para a procriação. Acho improvável, na medida em que na prática é impossível garantir que da relação venha uma criança, e quando a relação é ordenada ela em geral é prazerosa para ambos. Por outro lado, as tradições religiosas mais provadas pelo tempo costumam proibir que se impeça propositadamente a concepção; afinal, sendo o aparelho reprodutor feito para a reprodução, negá-la ativamente acaba sendo semelhante ao hábito dos romanos decadentes de comer lautamente e logo em seguida vomitar tudo para comer mais. Uma coisa desordenada. Em ambos os casos se nega o fim natural de algum ato de geração ou manutenção da vida, visando exclusivamente o prazer sensível que deveria servir apenas de “isca” para o ato.

O problema básico da pornografia é que ela é fundamentalmente desordenada; é impossível haver “boa” pornografia

Se não se quer ter filhos que não se tenha sexo, exatamente como quem quer emagrecer não pode se entupir de macarrão e pudim. A rainha anglo-saxã Etelfreda teria famosamente dito, para explicar a razão pela qual ela e o rei Etelredo, seu marido, pararam de ter relações após o difícil parto da princesa Elfuína (sou só eu que acho um barato esses nomes?), que “não fica bem para a filha de um rei entregar-se a um deleite que após algum tempo traz consequências tão doloridas”. Ou seja: no contexto adequado o sexo é um deleite, ainda que não se possa dizer o mesmo de um parto difícil, ainda por cima antes de inventarem a anestesia. Tal ato, contudo, sempre pode gerar uma nova vida, e realmente deve doer pacas parir uma pessoinha cabeçuda.
Há um ditado em economia segundo o qual “dinheiro ruim afasta dinheiro bom”: ninguém gasta ouro se puder pagar a compra com vale-transporte. O mesmo acontece em relação à pornografia e à sexualidade ordenada, que ela acaba substituindo. Pavlov, Skinner e o resto daquele pessoal já provaram que o ser humano é adestrável, e a pornografia é uma forma de adestramento. O espectador de pornografia é recompensado com o orgasmo e, ainda que o seco e triste orgasmo solitário deixe tudo a desejar em relação ao orgasmo amoroso de uma relação ordenada, a recompensa orgásmica repetida marca e faz com que se volte. E se volte. E se volte.
É muitíssimo mais fácil recorrer à pornografia a cada vez que a vontade aparece (e como aparece!) que realizar um ato sexual ordenado, para o qual se precisa de duas pessoas e de um compromisso.