2023-04-12 13:00:05
Em 2007, o Fernando Sepe escreveu um texto chamado “Consultas e Consultas''. Eu diria que é o texto que eu gostaria de ter escrito. Ali ele diz que dentro de um terreiro, numa gira de Preto Velho, em um canto o Preto Velho tava ouvindo uma consulente e ela reclamava do marido, do patrão, do trabalho reclamava sem parar e não dava nem tempo do Preto Velho falar, de tanto que ela reclamava.
De tudo que ela precisava mudar, de tudo que ela queria resolver com a mãe, com o filho, com o patrão, com o empregado, com tudo que tava errado e o tempo todo falando e reclamando.
Em algum momento ela mesma virou para o Preto Velho e falou “Ah, mas agora já tá na hora de ir embora. Já tá na minha hora, eu preciso ir”. Eu imagino uma estrutura pequena de Terreiro onde, às vezes, há oportunidade de falar bastante tempo com a Entidade. Não se está ali pra ouvir, mas para falar, para reclamar, sem que haja a oportunidade de ouvir o que um mestre que é o Preto Velho tem a dizer.
Então ela se levanta e vai. O Preto Velho é quem fica pensando. Alguma coisa errada na maneira como essa consulente acha que deva ser uma consulta dentro de um Terreiro de Umbanda.
E no outro canto do Terreiro, numa situação quase inversa, tem uma consulente quieta ouvindo uma Preta Velha falar sem parar. Dando uma infinidade de conselhos para problemas que a própria Preta Velha estava encontrando para aquela consulente.
É lógico que não é uma Preta Velha falando, mas a consulente foi colocada ali diante daquela médium “incorporada” como a Preta Velha que dizia dizer assim
“Eu sei, minha filha, que você é muito tímida e não vai falar. Mas, eu vou dizer pra você que lá no seu trabalho tem inveja. Tem gente com olho gordo ni você. Tem gente querendo o que é seu. Posso falar mais ainda, eu sei que não tá bom o seu relacionamento, sua vida. Essa velha vai falar pra você que teu namorado tá te traindo.”
E vai dando os problemas e vai dando as soluções para uma consulente que não estava falando nada. Até o momento em que a consulente se despede e, neste caso, a consulente que ficou pensando: “acho que tem alguma coisa errada na consulta que é esta Preta Velha me deu”.
Aí no texto o autor diz assim, “Você já deve estar desanimado com esse Terreiro”. Mas ainda neste mesmo Terreiro, em um outro canto existe um Preto Velho, também incorporado. Um consulente se senta na frente dele e o Preto Velho abraça esse consulente.
O Preto Velho não diz nada e o consulente também não diz nada porque não há nada para se dizer. Não é preciso que haja palavras, o consulente vai de coração ao encontro do coração daquele Preto Velho e não há mais nada para se dizer.
E, assim o autor desse texto, faz a gente pensar:
O que é, afinal, uma consulta dentro de um Terreiro de Umbanda?
Como deveria ser uma consulta?
O que é uma consulta ideal?
Há um adágio popular que diz “Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece”. Mas diz que quando o mestre está pronto também, é aí que o discípulo aparece. Mas para um discípulo que não está pronto, também pode aparecer um mestre que não está pronto e vice versa.
Embora a gente questione o que é uma consulta boa, correta, direito ou certa, cada um vai ao encontro daquilo que está precisando, mesmo que a gente possa avaliar, pesar e julgar.
Ainda assim, esse exercício talvez para nossa alma seja algo muito bom para lembrar o quão bom é essa oportunidade de ir ao encontro de uma Entidade num Terreiro de Umbanda.
Mesmo que naquele momento do seu encontro, ao seu lado haja ainda tanto desencontro.
Trecho retirado do programa Caixa Preta, disponível no estudo Teologia de Umbanda de Alê Cumino
2.2K viewsSarah Gomes, 10:00
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