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A ARTE POR INTEIRO EM UM MUNDO ALEATÓRIO Há 50 anos, em 1971 | Invisible College

A ARTE POR INTEIRO EM UM MUNDO ALEATÓRIO

Há 50 anos, em 1971, quando o Led Zeppelin lançou seu clássico Led Zeppelin IV, um dos discos mais importantes do rock e da música pop, a gravadora insistiu que a banda lançasse a épica Stairway to Heaven como single. É aquele tipo de música que ficou e ainda fica agarrada à imaginação de muita gente.

Plant, Page, Jones e Bonham, porém, foram irredutíveis em preservar a faixa. Eles negaram, temendo que os editores a cortassem de 8 minutos pra tocá-la nas rádios. Bom, o resto da história a gente sabe. É raro alguém que desconheça ao menos um detalhe da longa história contada em Stairway to Heaven.

A reprodução aleatória nos streamings de música, mesmo sendo um dos recursos distintivos dos aplicativos - praticamente inédito no mundo da música -, desde o início causa desconforto em uma porção dos ouvintes por comprometer a experiência integral com a música.

Isso vem da sensibilidade de que não se trata de um conjunto confuso de faixas à disposição pra cobrir os buracos sonoros das nossas rotinas apressadas, mas sobre obras de arte intencionais. Mais uma vez a questão (que muito me persegue) é sobre como estamos ouvindo, não tanto o que estamos ouvindo.

Todo avanço tecnológico vem com seus retrocessos inevitáveis. Ou melhor, como diz o Andy Crouch em Culture Making, ao mesmo tempo que os desenvolvimentos culturais ampliam novos horizontes de possibilidade, eles causam impossibilidades. Ou seja: as rodovias deram a possibilidade de viagens de média e longa distância por meio dos carros, mas tornaram impossível viajar a pé, por exemplo.

A arte da música nas redes do streaming destravou uma série enooorme de possibilidades, explorando potenciais até então desconhecidos nessa atividade cultural: o acesso quase que ilimitado, imediato e simultâneo a obras de hoje e de décadas passadas, de gêneros cada vez mais diversificados e processos mais rápidos no que diz respeito à produção e recepção de material fonográfico. Resumindo: novas possibilidades para o jeito de fazer e ouvir música.

Por outro lado, a convergência música-mídias digitais comprometeu (e muito) traços inegociáveis da música, como a audição contemplativa, o contato imersivo com a arte (pra ter ideia, o botão “pular” é o mais usado no Spotify), a curadoria, o refinamento crítico e, especialmente, a percepção narrativa das criações de um artista.

Essa é uma crise narrativa, pois afeta uma das características singulares da música: lembrar o ouvinte de que somos seres entrelaçados no tempo. Pra experimentar uma música de verdade, precisamos seguir seu percurso.

Será que a reprodução aleatória de faixas no streaming não funciona como uma analogia que acaba engolindo nosso cotidiano, tornando-o embaralhado, sem ritmo intencional e sem o senso de pertencimento a uma história maior?

É disso que se trata a reivindicação feita por Adele ao Spotify recentemente. A respeitada artista britânica pediu categoricamente à empresa que retirasse o recurso de reprodução aleatória dos álbuns - de TODOS - do acervo. A cantora já havia adotado essa postura em 2016, quando lançou seu premiado 25. Na época ela vetou a publicação nos streamings, liberando só a venda física e digital.

Agora (quando a artista acaba de lançar 30, talvez seu álbum mais integrado narrativamente falando) o Spotify atendeu a reivindicação de Adele. De acordo com ela:

“Nós não criamos álbuns com tanto cuidado e reflexão sobre a lista de faixas sem motivo. Nossa arte conta uma história e nossas histórias devem ser ouvidas como pretendíamos.”

Reivindicação sensível, certeira e contracultural essa! Aliás, alusiva a um problema maior: um jeito fragmentado de tocar a vida. Parece que a gente se apega a todo tipo de história, perdemos de vista uma experiência por inteiro no encontro com a arte e, consequentemente, do que significa ser humano em relação ao mundo.

Como disse o amigo Pedro Dulci: