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A exceção tem suas próprias regras (ou: um golpe é possível?) | Bolivariando a Pátria Grande

A exceção tem suas próprias regras (ou: um golpe é possível?)

https://revistaopera.com.br/2022/06/04/a-excecao-tem-suas-proprias-regras-ou-um-golpe-e-possivel/

Golpes não precisam do apoio ativo da burocracia, do apoio decidido da totalidade da burguesia ou da garantia do apoio estrangeiro, tampouco se acovardam frente a eleições. Por Pedro Marin | Revista Opera

Há muito temos sido críticos, nesta revista, de um certo tipo de tara “normalista” sobre a política. Essa tara nada mais é do que um espírito analítico que se fixa rigidamente em uma concepção da política que valoriza elementos como os interesses mais imediatos dos atores políticos e a institucionalidade, ao passo que desvaloriza e desconsidera elementos como conflito, violência, movimento e acaso. Por um lado, nossa linha editorial tem se voltado, desde sempre, a denunciar as tragédias de nosso povo; as rotineiras violações constitucionais; o inferno das maiorias nas margens do mundo capitalista. Por outro lado, essa denúncia nunca serviu para ignorar os movimentos intempestivos, os eventos excepcionais, as viradas de mesa. Denunciar a persistência das exceções cotidianas contra o povo sob os governos petistas, por exemplo, nunca nos tornou cegos ao avanço excepcional contra o governo Dilma Rousseff em 2016 – de fato, enquanto falávamos da necessidade de mobilização para barrar o golpismo, os obcecados normalistas acreditavam possível impedir o impeachment com algumas costuras políticas entre deputados.

Em uma palavra: denunciar, ao mesmo tempo, que para o povo a exceção aqui é regra, mas também que a exceção arregimentada, batendo-se frontalmente com as regras, é coisa perigosíssima. Esclarecer a tensão entre a regulação da barbárie, as frias letras das leis que silenciam e ajudam no abatimento de pobres sob o manto da constitucionalidade, e a barbárie da regulação – a negação destas mesmas leis. Combater as violentas ondas da exceção sem se permitir boiar nas calmas e sanguinolentas águas da normalidade; denunciar a calmaria sangrenta sem perder de vista as perigosas marés altas.

Essa tensão toma forma clara em dois casos recentes: a chacina promovida por forças policiais na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, e o assassinato covarde e vil de Genivaldo de Jesus Santos, morto no camburão de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) transformado em câmara de gás em Sergipe. Quem buscar explicar os casos apelando à figura que ocupa a Presidência da República estará se esquecendo de Cláudia Silva Ferreira, baleada e arrastada por 350 metros em 2014, presa a uma viatura; de Amarildo Dias de Souza, pedreiro morto e desaparecido por policiais da UPP na Favela da Rocinha, em 2013; dos crimes de maio de 2006 em São Paulo e de milhares de casos similares, muitos deles ainda incógnitos. Ao mesmo tempo, será irresponsável desconsiderar os efeitos e os fins de presidentes que festejam a tortura, de governadores que prometem “mirar na cabecinha”, de deputados que comemoram o assassinato de vereadoras. O combate ao fascismo não pode silenciar a crítica ao liberalismo – aquele é filho deste –, assim como a crítica ao liberalismo não pode impedir o combate ao fascismo – é seu filho mais feio.

Ocorre que, neste estranho ano de 2022, sob as ameaças da exceção, não só nos buscam impor a aceitação das velhas leis, violadas até que dessem passagem ao atual presidente, mas também a concórdia com uma estratégia que concede em tudo para, supostamente, barrar a exceção. Não só há de se aceitar Alckmin, duas vezes comandante da polícia paulista, segurando uma placa em que pede justiça por Genivaldo e silenciar toda e qualquer crítica à campanha petista e sua estratégia, como também – dizem – votar em Lula no primeiro turno para impedir um golpe de Bolsonaro.

O problema da denúncia e das discussões sobre a possibilidade de um golpe de Estado é que ou elas costumam ser feitas sob aquela mesma tara normalista já mencionada, sob o espírito de uma análise a partir da institucionalidade burguesa, ou num puro espírito oportunista e propagandístico.