2022-07-21 17:03:17
Vício em desespero
Há algum tempo venho notando que os conservadores se viciaram em certas sensações, tanto em senti-las quanto em provocá-las em outros. É um certo desespero no sentido de uma desesperança generalizada que almeja apenas depositar a fé em Deus, abandonando o mundo, coisa que justificam como sendo a essência do cristianismo. Primeiro geram em si mesmo, alimentando-a com estudos aprofundados sobre mazelas na justificativa de que se está "compreendendo o inimigo". O problema é que nem todo mundo goza de estrutura psicológica para isso. Com o tempo, os que têm menos aptidão ao estudo de estruturas de poder, ideologias e movimentos, vão se convencendo de que sabem mais e melhor sobre o poder no mundo e que os outros, alienados em questões ditas menores como temas da política diária ou da cultura popular, esperança em políticos e outras coisas, constituem-se de uma massa amorfa de manobra que beira o sub-humano. Esse senso de superioridade perante a maioria vai crescendo e se convertendo num cinismo intelectualista que se manifesta por um certo ódio ou rancor do mundo. Tudo o que diz, posta ou fala em redes sociais vem carregado desse cinismo, como quem diz: "estão vendo nesta notícia como não há esperanças neste mundo. Só Deus mesmo e vocês estão iludidos como cordeirinhos. Vejam nestas notícias que compartilho como as coisas são exatamente como eu me sinto: inútil e impotente, no que reside precisamente a minha perspicácia. Não contavam com a minha astúcia. Eu sei o quanto tudo é mau, o mundo está perdido e vocês são iludidos. Eu sei porque li este e aquele autor e vocês, ignorantes, apenas repetem chavões. Eu não. Porque eu sei. E porque sei é que não espero nada, não confio em ninguém, ao contrário de vocês".
Não é assim que vemos tantas postagens? Como vemos, nada desse desespero auto infligido é cristão ou leva a Deus. Pelo contrário, leva a um fingimento de esperança na eternidade pela via do desespero em todo o resto. Não é preciso muito para entender que o fato do cristão não dever depositar a sua esperança e o seu conforto no mundo não significa que deva demonizar o mundo e a humanidade como um antro de interesses e vilezas invencível.
Mas sejamos sinceros. A maioria dessas pessoas das quais falo não pensam verdadeiramente assim. Mas o seu cinismo reside justamente na convicção de que precisa fingir ser alguém que está ou profundamente preocupado com o futuro da humanidade ou incrivelmente indiferente a ela. As duas posições levam ao mesmo posicionamento fingido que nada mais é que a adoção de um papel social daquela pessoa que não descansa, não descontrai, não perde tempo com futilidades. E não há coisa mais maligna e pérfida do que um papel social. Não é difícil concluir que todo o mal que essas pessoas denunciam no mundo está precisamente dentro delas.
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