2021-09-09 05:04:52
Um breve comentário sobre o escrito de Vladimir Safatle.
O novo artigo de Safatle no El País é uma mistura de acertos com saltos lógicos injustificados (título do artigo "O golpe começou"). Vamos primeiro ao que considero os acertos.
- Concordo com Safatle quando ele crítica, ainda que sempre abstratamente, sem citar atores e organizações, a passividade das esquerdas (ou melhor: da maioria das esquerdas). A maioria do que se conhece como esquerda no Brasil está na dupla espera: espera de 2022 ou espera das "instituições". Essa, sem dúvidas, é uma postura fadada ao fracasso.
- Também concordo com Safatle quando ele considera que não é possível tratar o bolsonarismo como um fenômeno só medido por sua aprovação de governo e que está morto. Isso desconsidera uma série de elementos - até os mais básicos, como o caráter "militante" de muitas bases bolsonaristas.
Agora me espanta os saltos lógicos de Safatle.
- Afirmar que o sete de setembro não foi um fracasso, dado que "uma insurreição nunca precisou da maioria da população para impor sua vontade", não faz sentido. É contrapor uma realidade imediata a uma reflexão de altíssimo grau de abstração. Sim, uma insurreição não precisa necessariamente da maioria. Contudo, toda insurreição precisa de um grupo social ativo que arrasta de forma passiva ou ativa a maioria. Alguém sustenta que hoje o bolsonarismo, enquanto força política e ideológica, consegue arrastar as maiorias? Me parece claro que não. Isso, inclusive, marca a diferença entre tentar um golpe e sustentar um golpe. Executar um golpe é algo relativamente fácil - basta não ter resistência ativa. Sustentar é uma operação infinitamente mais complexa (veja, por exemplo, o recente caso da Bolívia).
- O segundo salto lógico e mais assustador é esse: "Bolsonaro tem as quatro condições, além do apoio inconteste das Polícias Militares e das Forças Armadas". Primeiro, acho complicado, para dizer o mínimo, apresentar a PM como uma força homogênea e com autonomia de projeto pronta para, por exemplo, uma ação política de ruptura. Segundo, Bolsonaro tem apoio inconteste das Forças Armadas ou o Partido Fardado está em aliança com o bolsonarismo, garantindo seu projeto próprio? Me parece que é a segunda opção. O argumento do Safatle para justificar sua afirmação é curioso: "que [os militares] por nada nesse mundo, mas absolutamente nada irá deixar um governo que lhe promete salários de até 126.000 reais". Note bem, esse "argumento" só serve para o Partido Fardado e não para as PMs. E, em segundo lugar, quem disse que com uma saída de Bolsonaro, os milicos não teriam mais suas regalias e salários de 126 mil reais? O que impede o Partido Fardado de continuar sua tutela militar com o impedimento de Bolsonaro ou até com um novo governo formado em 2023? Com todo respeito que tenho a Safatle, esse argumento não faz o menor sentido.
Fora isso, o tom geral do escrito é como se o 07 de setembro fosse só uma ação de ofensiva e não uma tentativa de mostrar força frente a um cerco.
Acho que Safatle adotou um tom alarmista e cheio de saltos lógicos como forma de denunciar o centrismo e o legalismo absurdo na maioria das esquerdas. Concordo com as críticas, mas não precisa pintar as cores com tons mais sombrios para sustentá-las.
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