2022-02-28 21:30:08
Geralmente fico de fora das tretas entre os jornalistas mais famosos no Twitter. Mas essa foi boa: Constantino disse algo como "essa gente é hedonista" e o Blinder reagiu com uma irritação enorme, devolvendo o ad hominem coletivo com um ad hominem individual. Aceitou que é hedonista, então?
Epicuro de Samos era acusado pelos adversários de ser um porco hedonista. Era mentira, ele vivia a pão e água, um pedaço de queijo era só pra ceias em ocasiões importantes. Também era acusado de materialista. Ele era atomista. Ele achava que a alma também era feita de átomos.
A Bíblia contém condenação aos "epicureus", seguidores dele. Dante também: 6º círculo do inferno. Também o acusavam de ser ateu. Falso. Pensava que deuses ficavam no espaço entre mundos e a vida humana era desinteressante demais pra atrair a intervenção deles. Então era "polideísta".
Thomas Jefferson disse "eu também sou um epicureu". Há um muro com inscrições dos princípios de Epicuro no sítio arqueológico da antiga cidade de Oinoanda, na Turquia. O autor é um tal Diógenes, que resumiu o pensamento de Epicuro em quatro princípios, "tetrapharmakos".
Mas me distraí... O ascetismo é uma doutrina que reemerge sempre, está presente nos santos católicos, em Sidarta Gautama. Indígenas têm proibições ritualísticas sobre quais animais não podem comer. O hedonismo parece insultar seja lá qual for o apelo universal do ascetismo.
Eis uma hipótese pro apelo do ascetismo: ele é um epifenômeno cultural que se aproveita de instintos adaptativos que surgiram para nos proteger de patógenos. Pascal Boyer pensa que o comportamento ritualístico em geral é fruto de adaptações comportamentais para evitar ameaças.
Então o hedonista, que busca o prazer de uma forma supostamente excessiva, insulta os ascetas porque, no fundo, está se expondo a patógenos, incluindo os sexualmente transmissíveis. O pão e água do asceta é uma dieta sem risco, confortável, conservadora. A monogamia ou o celibato também.
Nem ascetismo nem hedonismo têm chance de dar certo. Algo baseado num instinto de evitar doença não faz tanto sentido na era da camisinha e do antibiótico. Já algo baseado na mera sensação positiva do prazer é improvável que sirva pra nos deixar satisfeitos com vidas de valor.
É melhor uma atitude que seja ao mesmo tempo prudente e crítica. Haverá nela tanto ceticismo diante da modinha do "poliamor", que é só mais uma numa longa história de tentativas de reformar a natureza humana e eliminar os ciúmes; quanto ceticismo aos santarrões ascetas dos nossos dias.
156 viewsEli Vieira, 18:30