2022-08-17 01:41:29
Como vocês sabem, trabalho há anos na construção civil. E lhes digo com toda sinceridade: as conversas de canteiro de obras são muitas vezes maravilhosas. São nesses ambientes que nós ainda percebemos a vitalidade da "sabedoria popular".
Pois bem, falávamos, no fim da tarde, a respeito de amor ao próximo. Eis que um senhorzinho — muito querido por nós no trabalho, a propósito — soltou uma máxima: "somente pelo fato de aguentarmos uns aos outros todos os dias é um sinal de amor". O seu comentário foi em resposta a alguns outros que estavam próximos que comentaram que amar é ser meramente gentil, pregar a paz, etc. Logo quando ouvi o que este nobre senhor disse, ponderei algumas coisas que lhes trago aqui.
Santo Agostinho dizia que a substância da sociedade é o amor ao próximo. Tendo em vista o sentimentalismo reinante, o que o nosso Doutor da Graça defende acaba passando por um crivo subjetivista muito forte. De fato as pessoas acreditam que este amor ao próximo é uma espécie de imperativo categórico ou normas sociais abstratas que levam em conta apenas o indivíduo como sujeito jurídico — e não o "homem de carne e osso", como dizia Unamuno. Perguntei-lhes se alguma vez em suas vidas pararam para pensar que "treco doido" é conviver com outro ser humano. Um ente que, em sua alma, traz diversos aspectos existenciais, culturais, sentimentais, etc., etc. Ao analisarmos esse problema, vemo-nos diante de uma complexidade factual tremenda. Ademais, se formos deduzindo todas as causas da possibilidade de sermos aquilo que Aristóteles definia, isto é, o homem como um animal racional, social e político, compreendemos que a convivência humana não pode se dar de uma maneira ontológica que não seja o Amor. O amor não no sentido sentimentalista — o que de fato não seria o verdadeiro amor —, mas no sentido de doação, decisão e sacrifício. A repetibilidade mesma de suportarmos todas as dificuldades e angústias desta vida tendo em vista não somente o bem-estar social alheio (fim secundário), mas a plena felicidade que não dependerá do tempo e do espaço para consumar-se. Um entregar-se completo e essencial mesmo com todos os erros, vícios e pecados — nossos próprios e do próximo. Pus-me a refletir sobre essa simples conversa para constatar, mais uma vez, o tamanho da mesquinharia que estamos vivendo. Deixamos de viver realmente o conceito de pessoa para nos tornarmos seres artificiais, impessoais e atomísticos. Tornamo-nos, não raras vezes inconscientemente, militantes revolucionários. Eis a importância do filtro cultural e existencial da nossa presença na realidade. Eis a importância de buscarmos os fundamentos daquilo que dizemos defender com afinco, mas que nos afastamos na medida em que a realidade de todas as coisas nos cobra.
Esse exame de consciência sincero de como nos relacionamos consigo mesmo, com o próximo e sobretudo com Deus, é o que faz com que a essência da natureza humana se atualize na Graça do Amor.
Apesar de todo o sacrifício que é manter-se de pé, há sempre algo de bom em nossos dias. Ao desejarmos caminhar ao lado de Deus, e pedimos sem nenhuma pretensão de obter respostas imediatas conforme nossas vontades, é quando Ele nos manda um sinal de Sua Simplicidade e Seu Amor através de símbolos que denotem sua Eterna Presença.
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